Trecho extraído de “O Poder do Mito”. Série para tv em entrevistas com Joseph Campbell.  Entrevistas conduzidas por Bill Moyers.

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CAMPBELL: A história que temos no Ocidente, na medida em que se baseia na Bíblia, baseia se numa visão do universo que pertence ao primeiro milênio antes de Cristo. Não está de acordo nem com nossa concepção do universo, nem com nossa concepção da dignidade humana. Pertence inteiramente a algum outro lugar. Hoje, temos que reaprender o antigo acordo com a sabedoria da natureza e retomar a consciência de nossa fraternidade com os animais, a água e o mar. Dizer que a divindade modela o mundo e todas as coisas é condenado como panteísmo. Mas panteísmo é uma palavra enganadora. Sugere que um deus pessoal supostamente habita o mundo, mas a idéia em absoluto não é essa. A idéia é transteológica, de um mistério indefinível, inconcebível, admitido como um poder, isto é, como a fonte, o fim e o fundamento de toda a vida e todo o ser.

MOYERS: Você não acha que os americanos modernos rejeitaram a antiga idéia da natureza como divindade porque isso os impediria de dominar a natureza? Como é possível derrubar árvores, rasgar a terra e desviar o curso dos rios para propriedades privadas sem matar Deus?

CAMPBELL: Sim, mas isso não é simplesmente uma característica dos americanos modernos, é a condenação bíblica da natureza, que eles herdaram de sua religião e trouxeram com eles, especialmente da Inglaterra. Deus está separado da natureza, e a natureza é condenada por Deus. Está tudo lá, no Gênesis: estamos destinados a ser os senhores do mundo. Mas se você pensar em nós como vindos da terra, não como tendo sido lançados aqui, de alguma parte, verá que nós somos a terra, somos a consciência da terra. Estes são os olhos da terra, e esta é a voz da terra.

MOYERS: Os cientistas começam a falar abertamente sobre a Gaia Ciência.

CAMPBELL: É isso mesmo, todo o planeta como um só organismo.

MOYERS: Mãe Terra. Será que os novos mitos brotarão dessa imagem?

CAMPBELL: Bem, alguma coisa, sim. Você não pode prever que mito está para surgir, assim como não pode prever o que irá sonhar esta noite. Mitos e sonhos vêm do mesmo lugar. Vêm de tomadas de consciência de um a espécie tal que precisam encontrar expressão numa forma simbólica. E o único mito de que valerá a pena cogitar, no futuro imediato, é o que fala do planeta, não da cidade, não deste ou daquele povo, mas do planeta e de todas as pessoas que estão nele. Esta é a minha idéia fundamental do mito que está por vir. E ele lidará exatamente com aquilo com que todos os mitos têm lidado – o amadurecimento do indivíduo, da dependência à idade adulta, depois à maturidade e depois à morte; e então com a questão de como se relacionar com esta sociedade e como relacionar esta sociedade com o mundo da natureza e com o cosmos. É disso que os mitos têm falado, desde sempre, e é disso que o novo mito terá de falar. Mas ele falará da sociedade planetária. Enquanto isso estiver em curso, nada irá acontecer.

MOYERS: Então você sugere que daí começará o novo mito do nosso tempo?

CAMPBELL: Sim, essa é a base do que o mito deve ser. E já se encontra aqui: o olho da razão, não da minha nacionalidade; o olho da razão, não da minha comunidade religiosa;  o olho da razão, não da minha comunidade lingüística. Você percebe? E esta será a filosofia do planeta, não deste ou daquele grupo. Quando a Terra é avistada da Lua, não são visíveis, nela, as divisões em nações ou Estados. Isso pode ser, de fato, o símbolo da mitologia futura. Essa é a nação que iremos celebrar, essas são as pessoas às quais nos uniremos.

Porque é difícil para o ocidental compreender o oriente

(De “O Segredo da Flor de Ouro: Um Livro de Vida Chinesa “. Disponível na íntegra aqui)

Como ocidental, e sentindo à sua maneira específica, experimentei a mais profunda estranheza diante do texto chinês do qual se trata. É verdade que um certo conhecimento das religiões e filosofias orientais auxiliara de certo modo meu intelecto e minha intuição, a fim de compreendê-lo, assim como entendo os paradoxos das concepções religiosas primitivas em termos de “etnologia” ou de “religião comparada”. Este é o modo ocidental de ocultar o próprio coração sob o manto da chamada compreensão científica. E o fazemos, em parte devido à misérable vanité des savants (em português: miserável vaidade dos estudiosos), que receia e rejeita com terror qualquer sinal de simpatia viva, e em parte porque uma compreensão simpatética pode transformar o contato com o espírito estrangeiro numa experiência que deve ser levada a sério. Nossa objetividade científica reservaria este texto para a perspicácia filológica dos sinólogos, preservando-o cuidadosamente de qualquer outra interpretação. Mas RICHARD WILHELM penetrou demais no segredo e na misteriosa vivência da sabedoria chinesa, para permitir que essa pérola intuitiva desaparecesse nas gavetas dos especialistas. É grande a minha honra e alegria de ter sido designado para fazer o comentário psicológico desse texto chinês.

No entanto, este fragmento precioso que ultrapassa o conhecimento dos especialistas talvez corra o risco de ser tragado por outra gaveta científica. Menosprezar os méritos da ciência ocidental, porém, eqüivaleria a renegar as próprias bases do espírito europeu. De fato, a ciência não é um instrumento perfeito, mas nem por isso deixa de ser um utensílio excelente e inestimável, que só causa dano quando é tomado como um fim em si mesmo. A ciência deve servir e erra somente quando pretende usurpar o trono. Deve inclusive servir às ciências adjuntas, pois devido à sua insuficiência, e por isso mesmo, necessita de apoio das demais. A ciência é um instrumento do espírito ocidental e com ela se abre mais portas do que com as mãos vazias. É a modalidade da nossa compreensão e só obscurece a vista quando reivindica para si o privilégio de constituir a única maneira adequada de apreender as coisas. O Oriente nos ensina outra forma de compreensão, mais ampla, mais alta e profunda — a compreensão mediante a vida. Conhecemos esta última a modo de um sentimento fantasmagórico, que se exprime através de uma vaga religiosidade, motivo pelo qual preferimos colocar entre aspas a “sabedoria” oriental, remetendo-a para o domínio obscuro da crença e da superstição. Desta forma, ignoramos totalmente o “realismo” do Oriente. Não se trata porém de intuições sentimentais, de um misticismo excessivo que tocasse as raias patológicas de um ascetismo primitivo e intratável, mas de intuições práticas nascidas da flor da inteligência chinesa e que não temos motivo algum para subestimar.

Esta afirmação talvez pareça temerária, provocando a desconfiança de alguns, o que não é de se estranhar, uma vez que é extremo o desconhecimento da matéria em questão. Além disso, a singularidade do pensamento chinês salta à vista, sendo compreensível nosso embaraço no tocante ao modo pelo qual ele poderia associar-se à nossa forma de pensar. O erro habitual (o teosófico, por exemplo) do homem do Ocidente lembra o do estudante que, no “Fausto”, de GOETHE, recebe um mau conselho do diabo e volta as costas, com desprezo, para a ciência; o erro ao qual me refiro é o de interpretar erroneamente o êxtase oriental, tomando ao pé da letra as práticas da ioga, numa imitação deplorável. Abandonar-se-ia desse modo o único chão seguro do espírito ocidental, para perder-se nos vapores de palavras e conceitos que nunca se originariam em cérebros ocidentais e nunca neles se enxertarão com proveito.

Disse um antigo adepto: “Se o homem errado usar o meio correto, o meio correto atuará de modo errado”. Este provérbio chinês, infelizmente muito verdadeiro, se contrapõe drasticamente à nossa crença no método “correto”, independentemente do homem que o emprega. No tocante a isso, tudo depende do homem e pouco ou nada do método. Este último representa apenas o caminho e a direção escolhidos pelo indivíduo; é o modo pelo qual o indivíduo atua nesse caminho que exprime verdadeiramente o seu ser. Se assim não fosse, o método não passaria de uma afetação, de algo construído artificialmente, sem raiz e sem seiva, servindo apenas à meta ilegítima do auto-engano. Além disso, poderia representar um meio de o indivíduo iludir-se consigo mesmo, fugindo talvez à lei implacável do próprio for. Tudo isto está muito longe da consistência e da fidelidade a si mesmo do pensamento chinês. À diferença deste, tratar-seia, na hipótese acima formulada, de uma renúncia ao próprio ser, de uma traição a si mesmo e de uma entrega a deuses estranhos e impuros, artimanha pusilânime no sentido de usurpar uma superioridade anímica e tudo aquilo que é justamente o contrário do “método” chinês. Essas intuições surgiram da vida mais plena, autêntica e verdadeira, da vida arcaica da cultura chinesa, que cresceu lógica e organicamente a partir dos instintos mais profundos. Tudo isso é para nós inacessível e inimitável.

A imitação ocidental é trágica, por ser um mal-entendido que ignora a psicologia do Oriente. É tão estéril como as escapulidas modernas para o Novo México, para as ilhas beatíficas dos Mares do Sul, ou para a África Central onde o homem culto pode brincar de ser “primitivo”, a fim de fugir disfarçadamente de suas tarefas imediatas, de seu Hic Redox hic salta. Não se trata de macaquear o que é visceralmente estranho a nós, ou de bancar o missionário, mas de edificar a cultura ocidental que sofre de mil males; isto deve ser feito, no entanto, no lugar adequado, em busca do autêntico europeu, em sua trivia-lidade ocidental, com seus problemas matrimoniais, suas neuroses, suas ilusões político-sociais e enfim com sua total desorientação diante do mundo. Seria melhor confessar que não compreendemos este texto esotérico, ou então que não queremos compreendê-lo. Acaso não pressentimos que uma tal colocação anímica, que permite olhar fundo e para dentro, desprendendo-se do mundo, só é possível porque esses homens satisfizeram de tal modo as exigências instintivas de sua natureza, que pouco ou nada mais os impede de ver a essência invisível do mundo? E acaso a condição de possibilidade da libertação desses apetites, dessas ambições e paixões que nos detêm no visível, não reside justamente na satisfação plena de sentido das exigências instintivas, em lugar de uma repressão prematura determinada pela angústia? E não se liberta o olhar para o espiritual quando a lei da terra tiver sido obedecida? Quem conhecer a história dos costumes chineses ou então o I Ging através de um estudo minucioso saberá que esse livro sapiencial impregnou o pensamento chinês há milhares de anos. Alguém assim preparado não deixará de lado tais questões. E compreenderá também que as idéias do nosso texto não representam algo de extraordinário para a mentalidade chinesa, mas são conclusões psicológicas inevitáveis. Nos primeiros tempos da cultura cristã a que pertencemos, o espírito e a paixão do espírito eram pura e simplesmente os valores positivos pelos quais valia a pena lutar. Só no ocaso do medievalismo, isto é, no decorrer do século XIX, quando o espírito começou a degenerar em intelecto, surgiu uma reação contra o predomínio insuportável do intelectualismo; cometeu-se então — o que é perdoável —, o erro de confundir intelecto e espírito. Este último foi então acusado pelos delitos do primeiro (KLAGES). Na realidade, o intelecto apenas prejudica a alma quando pretende usurpar a herança do espírito, para o que não está capacitado de forma alguma. O espírito representa algo de mais elevado do que o intelecto, abarcando não só este último como os estados afetivos. Ele é uma direção e um princípio de vida que aspiram às alturas luminosas e sobrehumanas. A ele se opõe o feminino, obscuro, telúrico (Yin), com sua emocionalidade e instintividade que mergulham nas profundezas do tempo e nas raízes do continuum corporal. Tais conceitos representam, sem dúvida alguma, concepções puramente intuitivas, mas indispensáveis se quisermos compreender a essência da alma. A China não pôde prescindir dessas concepções, pois tal como demonstra a história de sua Filosofia, nunca se afastou dos fatos centrais da alma a ponto de perder-se no engano de uma supervalorização e desenvolvimento unilaterais de uma função psíquica isolada. Por isso mesmo nunca deixou de reconhecer o paradoxo e a polaridade de tudo o que vive. Os opostos sempre se equilibram na mesma balança — sinal de alta cultura. Ainda que represente uma força propulsora, a unilateralidade é um sinal de barbárie. A reação que se iniciou no Ocidente contra o intelecto e a favor do eros ou da intuição constitui, na minha opinião, um sintoma de progresso cultural e um alargamento da consciência além dos estreitos limites de um intelecto tirânico.

Longe de mim a intenção de menosprezar a enorme diferenciação do intelecto ocidental. Comparado a ele, pode-se dizer que o intelecto oriental é infantil (sem que isto tenha algo a ver com inteligência!). Se conseguíssemos elevar outra função, isto é, uma terceira função anímica à dignidade que, entre nós, se atribui ao intelecto, o Ocidente poderia ter a esperança de ultrapassar consideravelmente o Oriente. É lamentável, portanto, que o europeu se renegue a si mesmo para imitar o oriental, afetando aquilo que não é. Suas possibilidades seriam muito maiores se permanecesse fiel a si mesmo e se desenvolvesse a partir de sua essência tudo o que o Oriente deu à luz no decurso de milênios.
Em geral, sob o ponto de vista irremediavelmente exterior do intelecto, é como se ignorássemos o valor daquilo que o Oriente tanto aprecia. O puro intelecto não apreende a importância prática que as idéias orientais têm para nós, motivo pelo qual pretende classificá-las como curiosidades filosóficas e etnológicas. Tal incompreensão vai tão longe que os próprios sinólogos ignoram o uso prático do I Ging, considerando este livro uma simples coletânea de fórmulas mágicas e abstrusas.

Para quem não está familiarizado, o cientista e autor Fritjof Capra pode parecer mais um desses pensadores “holísticos”, que pegam de tudo um pouco, formando uma massaroca místico-científica. Um pouco do ocidente, um pouco do oriente, teorias científicas e pronto. Mas isso por si não se refere em nada ao assunto tratado por ele em seus livros, só serve para erigirmos mais um esteriótipo superficial e ignorante, enquanto  o verdadeiro assunto levantado por ele  nos passa desapercebido. À exemplo de François Jullien, Capra olhou para as filosofias antigas da ásia (principalmente Índia e China) para, enxergar nossa própria cultura. Cito aqui Jullien na  introdução de Fundar a Moral:

Sabe-se bem que aquilo que periodicamente ameaça a filosofia é precisamente a perda do desafio, quando ela se deixa confinar em seu debate. Ora, a “China”, aqui, serve para tomar distâncias, para pensar a partir de fora. – François Jullien

E justamente, no bojo de nossa própria cultura – seja no meio secular-laico “irreligioso” ateu e cientificista, seja no criacionismo teísta –  os princípios que regem nossa visão do mundo, do universo parecem ser os mesmos: um mundo de ruptura do ser humano com a natureza.  É o que Alan Watts chama de “modelo cerâmico” do universo. O universo como produto, um objeto manufaturado, “criado” por algo ou alguém. Esse pensamento tem profundas raízes nas origens das grandes religiões monoteístas ocidentais, como o judaísmo e o cristianismo. Decartes e Newton foram os precursores da era moderna e secular desse pensamento. Um mundo mecânico, fragmentado, objetificado, que de nada tem de semelhante com o mundo orgânico do Tao, ou com o constante ciclo natural de nascimento e morte do hinduísmo cujo transcendental a que se refere se parece muito com organismos vivos, sua dinâmica numa cadeia infinita de relações na rede da vida.

A partir de insights sob efeito de psicodélicos como o LSD-25, Capra se inspirou para escrever o “Tao Da Física”. Algo em comum com outros que passaram por esse blog. E é do filme Ponto de Mutação (Mindwalk, 1990) os trechos abaixo, devidamente legendados em português.

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枯木鳴鵙図 "Guarda-rio empoleirado num galho seco" - Miyamoto Musashi

Este é um curto ensaio de Aldous Huxley que vim a conhecer através de uma palestra de Terence Mckenna (que até algum tempo atrás ainda estava disponível no youtube mas foi removido). Na ocasião Mckenna falava sobre experiências com psicodélicos e seu potencial de expansão sensorial dos sentidos humanos e além deles. Num determinado momento ele falava sobre nossa cultura, baseada em escrita, em símbolos, palavras, e da intrínsica “falha” na comunicação da sociedade ocidental moderna e sua incapacidade de ver importância na capacidade visual como linguagem (visão que é nosso mais desenvolvido sentido). Daí Mckenna falava de um livro curto no entanto dos que mais tiveram impacto em sua vida: A Arte de Ver de Aldous Huxley.

Do prefácio:

Aos dezesseis, eu tive um violento ataque de keratitis punctata (NT: queratite ou ceratite em português), que me deixou (depois de dezoito meses de quase-cegueira, durante o período que tive que depender de Braile para ler e um guia para andar) com apenas um olho capaz de percepção à luz e o outro com visão suficiente para permitir detectar a letra de 60 metros na tabela de Snellen a 1 metro de distância. Minha não-habilidade para ver era principalmente devido a presença de opacidades na córnea. Mas essa condição para ver era complicada por hipermetropia e astigmatismo. Pelos primeiros anos, meus médicos me advertiram para fazer minhas leituras com a ajuda de uma poderosa lupa. Mas mais tarde eu estaria promovido aos espetáculos. Com a ajuda disso eu podia reconhecer a linha de cinco metros à três metros de distância toleravelmente bem – sempre providenciado que mantivesse minhas pupilas dilatadas por atropina, tal que eu podia ver pelo redor de uma particular denso adesivo de opacidade no centro da córnea. (…) As coisas foram assim até o ano de 1939, quando, a despeito de um grandioso e reforçado óculos, eu vi a tarefa de ler cada vez mais difícil e fatigante. Não poderia haver dúvida disso: minha capacidade de ver estava firmemente e bem rapidamente deteriorando. Mas assim como eu imaginava apreensivo o quê na terra eu poderia fazer, se ler tornasse impossível, aconteceu de eu ouvir falar de um método de re-educação visual e de um professor que foi dito ter usado esse método com notável sucesso.

Este curto ensaio é basicamente sobre a técnica desenvolvida pelo Dr. W.H. Bates, o método Bates. Tal método é usado para readaptar os olhos humanos à visão. Mesmo quem possui “doenças” crônicas e necessite o uso de ferramentas mecânicas como óculos teriam a oportunidade de reabilitar a visão, normal e natural, segundo Huxley. É basicamente isso que Huxley trata neste trecho.

A Natureza de Uma Arte*

(trecho do Capítulo II – Um Método de Re-educação Visual)

Toda habilidade psíquico-física, incluindo a arte de ver, é governada por suas próprias leis.
Essas leis são estabelecidas empiricamente por pessoas que queriam realizar algo, tal como tocar piano, ou cantar, ou andar sobre corda, e que descobriram, como resultado de longa prática, o melhor e mais econômico método de usar seu organismo psíquico-físico para este fim particular. Tais pessoas devem ter tido as mais fantásticas visões sobre fisiologia; mas isso não faz diferença desde que sua teoria e prática de funcionamento psíquico-físico permaneça adequada ao seu propósito. Se a habilidade psíquico-física depende de seu desenvolvimento num conhecimento correto de fisiologia, então ninguém teria nunca aprendido algo sobre arte de modo algum. É provável, por exemplo, que Bach nunca pensou sobre a fisiologia da atividade muscular; se ele tivesse pensado, é quase certo que ele pensaria incorretamente. Aquilo, de qualquer forma, não o previne de usar seus músculos para tocar o órgão com incomparável destreza. Qualquer arte dada, eu repito, obedece apenas suas próprias leis; e essas leis são as leis do efetivo funcionamento psíquico-físico, como aplicadas às atividades particulares conectadas com a arte.

A arte de ver é como as outras habilidades psíquico-físicas primárias ou fundamentais, tal como conversar, andar e usar as mãos. Essas habilidades fundamentais são normalmente adquiridas ainda pequeno ou na infância por um processo basicamente inconsciente e auto-instruído. Isso leva aparentemente vários anos para que os hábitos de ver adequados estejam formados. Uma vez formados, de qualquer forma, o hábito de usar mental e psicologicamente órgãos de visão corretamente se torna automático – na mesma exata forma que ocorre com o hábito de usar a garganta, língua e gosto para conversar, ou as pernas para andar. Mas, mesmo que necessite de um sério choque mental físico para parar o hábito automático de falar e andar corretamente, o hábito de usar os órgãos de visão como eles deveriam ser usados pode ser perdido como resultado de distúrbios relativamente triviais.
Hábitos de uso correto são substituídos por hábitos de uso incorreto; a visão sofre, e em alguns casos o mal funcionamento contribui para o surgimento de doenças e defeitos crônicos dos olhos. Ocasionalmente naturalmente ocorre a cura espontânea, e os velhos hábitos de uso correto da visão são refeitos quase instantaneamente. Mas a maioria deve conscientemente readquirir a arte da qual, enquanto bebês, eles éram hábeis em aprender inconscientemente. A técnica desse processo de re-educação foi desenvolvida pelo Dr. Bates e seus seguidores.

"Ayahuasca Session" por Pablo Amaringo.

Princípio básico por trás da prática de toda arte

Como podemos ter certeza, se questionados, que essa é a técnica correta? A prova do pudim está ao comer, e o primeiro e mais convincente teste do sistema é o que funciona. Além disso, a natureza de treinar, é tal que nós deveríamos esperar que funcione. O método Bates é baseado precisamente nos mesmos princípios como os que estão por trás de todo sistema de sucesso que já foi planejado para se ensinar a habilidade psíquico-física. Seja qual for a arte que queira aprender – mesmo que seja acrobacias ou tocar violino, oração mental ou golfe, atuar, cantar, dançar ou o que quiser – há uma coisa que todo bom professor vai sempre dizer; Aprenda a combinar o relaxamento com atividade; aprenda a fazer o que tem de fazer sem tensão. Trabalhe duro, mas nunca sob tensão.

Falar da atividade combinada com relaxamento deve parecer paradoxal; mas de fato não é. O relaxamento é de dois tipos, passivo e dinâmico. Relaxamento passivo é ativado em estado de completo repouso, por um processo de conscientemente “deixar ir”. Como um antídoto à fadiga, como um método de aliviar temporariamente as excessivas tensões musculares, junto com as tensões psicológicas que sempre as acompanha, o relaxamento passivo é excelente. Mas isso não pode nunca, na natureza das coisas, ser suficiente. Nós não podemos gastar nossa vida inteira descansando, conseqüentemente não pode haver relaxamento passivo sempre. Mas há ainda algo ao qual isso é legítimo em dar o nome de relaxamento dinâmico. Relaxamento dinâmico é o estado do corpo e mente que estão associadas ao funcionamento normal e natural. No caso daquilo que chamei de habilidades psíquico-físicas fundamentais ou primárias, o funcionamento normal e natural dos órgãos envolvidos pode às vezes ser perdidos. Mas tendo sido perdidos, isso deve subseqüentemente ser readquirido conscientemente por qualquer um que tenha aprendido as técnicas que cumprem tal papel. Quando isso for readquirido, a tensão associada com o funcionamento comprometido desaparece e os órgãos envolvidos fazem seu trabalho numa condição de relaxamento dinâmico.
Mau funcionamento e tensão tende a aparecer mesmo que o ‘Eu’ consciente interfira com hábitos de uso apropriado adquiridos instintivamente, mesmo por insistir duramente em fazer que funcione, ou por sentir ansiedade indevida sobre possíveis erros. Na construção de qualquer habilidade psíquico-física o ‘Eu’ consciente deve dar ordens, – mas não muitas ordens – deve supervisionar a formação de hábitos de uso apropriado, mas sem barulho e numa forma modesta, que se nega. A grande verdadeira descoberta no nível espiritual pelos mestres de orar, é a que quanto mais há de ‘Eu’ menos sem tem de ‘Deus’, tem sido descoberta de novo e de novo no nível psicológico pelos mestres de várias artes e habilidades. Quanto mais há de ‘Eu’, menos há de Natureza – do funcionamento correto e normal do organismo. O papel cumprido pelo ‘Eu’ consciente* na diminuição da resistência e no preparo do corpo para a doença foi longamente reconhecida pela ciência médica. Quando há muito atrito, ou é amedrontado, ou lamenta e desgosta por muito tempo e intensivamente, o ‘Eu’ consciente deve reduzir seu corpo a tal estado que a pobre coisa irá desenvolver-se, por exemplo, úlceras gástricas, tuberculose, doença coronária e toda uma gama de hospedeiros de desordens funcionais de todo tipo e nível de seriedade. Mesmo a perda de dente foi mostrada, no caso de crianças, ser freqüentemente relacionado com tensões emocionais vividas pelo ‘Eu’ consciente. Que uma função tão intimamente relacionada à nossa vida psicológica como visão deveria permanecer inalterada por tensões que tiveram suas origens no ‘Eu’ consciente é inconcebível. E, de fato, isso é uma questão de experiência comum que a arte de ver é grandemente diminuída pelos estados emocionais aflitivos. À medida que alguém pratica as técnicas de educação visual, ele descobre a extensão à qual esse mesmo ‘Eu’ consciente pode interferir com processos de ver mesmo em épocas que as emoções aflitivas não estão presentes. E isso interfere, nós descobrimos na mesma exata forma que interfere com processos como jogar tênis, por exemplo, ou cantar – por estar muito ansioso para alcançar o fim desejado. Mas no olhar, assim como em todas outras habilidaes psíquico-físicas, o esforço ansioso para ir bem derrota seu próprio objeto; essa ansiedade produz tensões psicológicas e fisiológicas, e tensão é incompatível com a maneira apropriada para atingir nosso fim, chamado funcionamento normal e natural.

Na construção de qualquer habilidade psíquico-física o ‘Eu’ consciente deve dar ordens, – mas não muitas ordens – deve supervisionar a formação de hábitos de uso apropriado, mas sem barulho e numa forma modesta, que se nega. A grande verdadeira descoberta no nível espiritual pelos mestres de orar, é a que quanto mais há de ‘Eu’ menos sem tem de ‘Deus’, tem sido descoberta de novo e de novo no nível psicológico pelos mestres de várias artes e habilidades. Quanto mais há de ‘Eu’, menos há de Natureza – do funcionamento correto e normal do organismo.

* Tradução livre da edição de 1974, CHATTO  &  WINDUS, LONDON. © Mrs. Laura Huxley 1943.

A maioria das pessoas que vêem para ver Gandhi viram seu conselho. Mas um dia uma festa de visitantes da China deram à Gandhi um pequeno presente. Isso não era maior do que um brinquedo de criança, mas era famoso na China. Para o deleite de Gandhi era um conjunto de três macacos. Esse presente foi mantido perto com apreço por Gandhi pelo resto de sua vida.

Três macacos representam “não ver o mal, não ouvir o mal, não falar o mal” e é uma frase comum, comumente usada para descrever alguém que não quer estar envolvido na situação. Mas onde essa frase surgiu?

Infelizmente, ninguém sabe ao certo onde isso surgiu. Porque a frase é tipicamente associada com três macacos, um cobrindo os olhos, um cobrindo os ouvidos e o outro cobrindo sua boca. Alguns estudiosos clamam que a frase deve ter suas origens num templo japonês do século 17.

O templo é conhecido hoje como Toshogu, também conhecido como a Sacralidade Estável do Japão. Dentro dele está uma escultura dos três macacos sábios. *

 

Miwazaru, Kikazaru, Iwazaru ou os três macacos sábios

 

 

Na língua japonesa os três macacos sábios são um trocadilho com o sufixo zaru, que em japonês significa macaco. Mizaru, Kikazaru, Iwazaru significam literalmente não veja, não ouça, não fale.  Há uma frase budista japonesa que diz: a desgraça sai pela boca.  Na China encontra-se uma frase confuciana similar que diz: não olhe o que é contrário à exatidão, não ouça o que é contrário à exatidão, não faça movimento que seja contrário à exatidão.

 

 

* Tradução livre  de trecho extraído do Gandhi Discovery Box.

Originalmente publicado no California Law Review, Vol. 56, No. 1, Janeiro de 1968, p; 74-85)

(Tradução livre do original em inglês)

As experiências resultantes do uso de drogas psicodélicas são comumente descritas em termos religiosos.  Por causa disso elas são de interesse aqueles como eu que, na tradição de William James,  estão preocupadas com a psicologia da religião. Por mais de trinta anos estive estudando as causas, as conseqüências e as condições dos estados peculiares de consciência nos quais o indivíduo descobre ele mesmo ser um processo contínuo com Deus, com o Universo, com o Fundamento do Ser, ou qualquer outro nome que ele possa usar sob condição cultural ou preferência pessoal para a última e eterna realidade.  Nós não temos nomes satisfatórios e definitivos para experiências desse tipo. Os termos “experiência religiosa”, “experiência mística”, e “consciência cósmica” são todas demasiado vagas e abrangente pra indicar alguma forma de consciência específica que, para aqueles que conheceram isso, é tão real e esmagador como se apaixonar. O artigo descreve tais estados de consciência induzidos por psicodélicos, mesmo sabendo  que eles são virtualmente indiferenciáveis de experiências místicas. O artigo então discute questionamentos ao uso de psicodélicos que surgiram principalmente da oposição entre valores místicos e religiões tradicionais e valores laico-seculares da sociedade ocidental.


A Experiência Psicodélica

A idéia de experiências místicas resultantes de uso de drogas não tem uma leitura aceitável nas sociedades ocidentais. A cultura ocidental tem historicamente, um fascínio particular com o valor e virtude do homem como indivíduo, autodeterminante, ego responsável, controlando ele próprio e seu mundo pela força do esforço consciente e vontade. Nada então, poderia ser mais repugnante a essa tradição cultural do que a noção de crescimento espiritual e psicológico através do uso de drogas. Um “drogado” é por definição esmaecido em consciência, com seu julgamento em névoas e privado de vontade. Mas nem todos psicotrópicos (alteradores de consciência) químicos ou narcóticos e inebriantes, como são o álcool, opiáceos e barbitúricos. Os efeitos do que são agora chamados psicodélicos (manifestação da mente) químicos diferem dos iguais ao álcool como a risada se difere da raiva, o regojizo se difere da depressão. Realmente não há analogia entre estar “viajando” sob o efeito do LSD ou “bêbado” de um Bourbon. Fato, ninguém em quaisquer dos estados deveria dirigir um carro, mas também não deveria dirigir enquanto lê um livro, toca um violino ou faz amor. Certas atividades criativas da mente demandam concentração e devoção que são simplesmente incompatíveis com operar uma máquina letal numa estrada.

Eu mesmo experimentei cinco dos principais psicodélicos: LSD-25, mescalina, psilocibina, dimetil-triptamina (DMT) e cannabis. Tenho feito então, assim como William James experimentou óxido nitroso, pra ver se eles poderiam me ajudar em identificar o que pode ser chamado de o “essencial” ou ingrediente “ativo” da experiência mística. Quase toda literatura clássica sobre misticismo é vaga, não só em descrever a experiência, mas também em mostrar conexão racional entre a experiência ela própria e os vários métodos tradicionais recomendados pra induzir isso, jejum, concentração, exercícios de respiração, orações, encanamentos e danças. Um mestre tradicional do Zen ou Yoga, quando questionado porque tal e tal prática leva ou predispõe alguém à experiência mística, sempre respondem, “Esta é a forma que meu mestre passou pra mim”. Essa é a forma que eu encontrei. Se você está seriamente interessado, tente você mesmo “. Essa resposta dificilmente satisfaz um impertinente, de mente científica e intelectualmente curioso ocidental.  Isso o lembra de prescrições arcaicas que se resumem a cinco salamandras, pó de corda de forca, três morcegos cozidos,  escrúpulos de fósforos, três pitadas de escopolamina e um monte de esterco de dragão feito quando a lua estava em peixes. Talvez funcionasse, mas qual era o ingrediente essencial?”.

Isso me atingiu, portanto, e se qualquer químico psicodélico de fato tornaria minha consciência predisposta à experiência mística, eu poderia vê-las como instrumentos de estudo e descrição, como alguém usa um microscópio na bacteriologia, mesmo que o microscópio seja “artificial” e “não-natural” e invenção que deve se dizer que “distorce” a visão do olho nu. De qualquer forma, quando fui primeiramente convidado a testar as qualidades místicas do LSD-25 pelo Dr. Keith Ditman da Neuropsiquiatria Clínica da  Faculdade de Medicina da UCLA, eu estava pouco disposto a acreditar que qualquer mera substância química poderia induzir à genuína experiência mística. No máximo, isso deve levar a um estado de insight espiritual, análogo a nadar com asas de água. De fato, minha primeira experiência com LSD-25 não foi mística. Foi uma intensa e interessante experiência estética e intelectual que levou minha força de análise e descrição cuidadosa ao máximo.

Alguns meses depois, em 1959, eu tentei LSD-25 de novo com os doutores Sterling Brunnell e Michael Agraon, que eram associados à Clínica Langley-Porter em São Francisco. No curso de dois experimentos eu estava maravilhado e de alguma forma embaraçado em me ver indo através de estados que correspondiam precisamente com todas descrições de grandes experiências espirituais que já tive.

Ademais, eles excediam, ambos em profundidade e numa qualidade peculiar de não-expectativa às três “naturais e espontâneas” experiências desse tipo que ocorreram comigo nos anos anteriores.

Através do subseqüente experimento com LSD-25 e outras substâncias citadas acima (com exceção de DMT, que achei divertido, mas relativamente não-interessante), eu acho que posso com facilidade me mover com o estado “cósmico de consciência”, e no devido tempo tornar menos e menos dependente de substâncias elas mesmas pra “entrar” nessa particular onda de duração de experiência. Dos cinco psicodélicos que usei, eu achei que LSD-25 e cannabis sem encaixam em meus propósitos melhores. Desses dois, o último – cannabis – que eu tive de usar no exterior em países que não é ilegal, provei ser o melhor. Isso não induz a alterações bizarras de percepção sensorial, e estudos médicos indicam que isso não deve ter, salvo em quantidades excessivas, ter os efeitos colaterais perigosos do LSD.

Para os propósitos desse estudo, ao descrever minhas experiências com drogas psicodélicas eu evitei as ocasionais e incidentais bizarras alterações de senso de percepção que as substâncias psicodélicas podem induzir.  Estou interessado, antes, com as alterações fundamentais da normal, socialmente induzida consciência de cada um e a relação com o mundo externo. Estou tentando delinear os princípios básicos da consciência psicodélica. Mas eu devo mencionar que eu posso falar por mim. A qualidade dessas experiências depende consideravelmente na atitude de cada um para com a vida, apesar de agora existir uma volumosa literatura dessas experiências em notável acordo com minhas próprias.

Quase invariavelmente, meus experimentos com psicodélicos tiveram quatro características dominantes. Eu devo tentar explicá-las – na expectativa que o leitor dirá, pelo menos do segundo e terceiro, “Porquê, isso é óbvio! Ninguém precisa de uma droga pra ver aquilo”.Bem assim, mas cada insight tem níveis de intensidade. Pode haver o óbvio-1 e óbvio-2 – e o último vem numa claridade destruidora, manifestando suas implicações em cada esfera e dimensão de nossa existência.

A primeira característica é a aumento da lentidão do tempo, uma concentração no presente.  A compulsão de alguém na preocupação com o futuro diminui, e ele se torna ciente da grande importância e interesse no que está acontecendo no momento. Outras pessoas levando conduzindo seus negócios na rua parecem ser levemente loucos, não percebendo que a questão toda da vida é estar completamente consciente de algo à medida que acontece. Então ele relaxa, quase que luxuriamente, em estudar as cores no copo d’água, ou em ouvir o que é agora vibração altamente articulada de cada nota tocada num oboé ou cantada por uma voz.

Do ponto de vista pragmático de nossa cultura, tal atitude é muito ruim pros negócios. Deve levar a improvidência, falta de conhecimento antecipado, diminui as vendas de apólices de seguro e leva ao abandono de contas de poupança. Mas isso é ainda apenas a correção que nossa cultura necessita. Ninguém é fatidicamente mais menos prático do que o “bem sucedido” executivo que gasta toda sua vida absorto em fanáticos papéis de trabalho com o objetivo de se aposentar em conforto aos sessenta e cinco, quando isso tudo será tarde demais. Só aquele que cultivaram a arte de viver completamente no presente tem alguma utilidade pra fazer planos para o futuro, para quando os planos estiverem maduros eles estarão hábeis para desfrutar dos resultados.  “O amanhã nunca chega”. Eu nunca ouvi um pregador incitando sua congregação a praticar a parte do Sermão da Montanha que começa, “Não anseie pelo dia seguinte…”  A verdade é que pessoas que vivem pro futuro são, como chamamos os loucos, “não estão completamente ali— ou aqui”: pela sobre-ansiedade eles estão perpetuamente perdendo o ponto. Previsão é comprada ao preço da ansiedade, e quando é usada demais ela destrói todas suas vantagens.

“O amanhã nunca chega”

A segunda característica eu chamarei de consciência de polaridade.  É o vívido entendimento que estados, coisas e eventos que ordinariamente são chamados de opostos são interdependentes, como trás e frente, ou os pólos magnéticos. Por consciência de polaridade se vê que as coisas que são explicitamente diferentes são implicitamente uma só:  eu próprio e o outro, sujeito e objeto, direita e esquerda, masculino e feminino, e então,  um pouco mais surpreendente, o sólido e o espaço,  figura e paisagem de fundo, pulso e intervalo, santos e pecadores, polícia e criminosos, em-grupos, fora-de-grupos. Cada um é definido em termos do outro, e eles vão juntos transacionalmente, como comprar e vender, porque não há venda sem compra. Com o passar do tempo essa consciência se torna mais intensa, você sente que você é polarizado com o universo externo de tal forma que você implica cada outro. Se você empurra é o movimento inverso dele, e o empurrão dele é você puxando —  como você move dirigindo o volante de um carro. Você está empurrando ou puxando isso?

No início, essa é uma sensação bem estranha, não muito diferente de ouvir sua própria voz sendo tocada pra você num sistema eletrônico, imediatamente depois que você falou. Você se torna confuso, e espera que isso se vá. Similarmente, você sente que é algo feito pelo universo, ainda que o universo seja algo feito por você – que é verdade, pelo menos no senso neurológico que a estrutura peculiar de nosso cérebro traduz o sol em luz, e em vibração do ar em som. Nossa sensação normal de relação como o mundo externo é que às vezes eu empurro isso, e algumas vezes que isso me empurra. Mas se os dois são de fato um, onde a ação começa e a responsabilidade pausa? Se o universo está me fazendo, como posso ter certeza que, daqui há dois segundos, eu ainda lembrarei da língua inglesa? Se eu estou fazendo isso, como posso ter certeza que,  daqui há dois segundos, meu cérebro saberá como transformar o sol em luz? De sensações não-familiares como essas, a experiência psicodélica pode gerar confusão, paranóia  e terror mesmo que o indivíduo sinta sua relação com o mundo exatamente a mesma descrita por um biólogo, ecologista, físico,  por ele sentir a si mesmo como um campo unificado de organismo e ambiente.

A terceira característica, que surge com a segunda, é a consciência da relatividade. Eu vejo que sou uma ligação numa hierarquia infinita de processos e seres, variando de moléculas a bactérias e insetos aos seres humanos e, talvez,  para anjos e demônios – uma hierarquia que cada nível é em efeito a mesma situação. Por exemplo, o homem pobre lamenta sobre o dinheiro enquanto o rico lamenta por sua saúde: o lamento é o mesmo, mas a diferença está na sua substância ou dimensão. Eu percebo que moscas de frutas devem pensar sobre elas como pessoas, porque, como  nós, elas se encontram no meio de seu próprio mundo – com coisas imensuravelmente maiores sobre coisas menores embaixo. Para nós, elas são todas parecidas e parece não terem personalidade – como os chineses quando não vivemos com eles.  Ainda as moscas devem ver apenas distinções sutis entre elas como nós mesmos.

A partir disso, é um passo curto para a compreensão de que todas formas de vida são simples  variações de um único tema: nós somos de fato um mesmo ser fazendo a mesma coisa de muitas diferentes formas tanto quanto possíveis. Como o provérbio francês diz:  plus ca change, plus c’est la meme chose (quanto mais varia, mais é único). Eu vejo, ainda mais, que se sentir ameaçado pela inevitabilidade da morte é realmente a mesma experiência que se sentir vivo, e que como todos os seres estão sentindo isso em todo lugar, eles são tanto “eu” quanto eu próprio.  Ainda, o sentimento “eu”, pra ser sentido, deve ser sempre uma sensação relativa ao “outro” – pra algo além de seu controle e experiência. Pra chegar a ser, deve começar e terminar. Mas o pulo intelectual que as experiências místicas e psicodélicas fazem aqui é propiciar que você veja toda miríade “eu” – centros são você mesmo – não, de fato,  seu superficial e consciente ego, mas o que os hindus chamam de paramatman, o Ser de todos seres. Como a retina nos permite ver incontáveis pulsos de energia como uma única luz, da mesma forma a experiência mística nos mostra inumeráveis indivíduos como um único Ser.

A quarta característica é a consciência da energia eterna, geralmente em forma de uma intensa luz branca, que parece ser tanto o que está nos nossos nervos e o misterioso “e” que equaciona mc2. Isso pode soar como megalomania ou ilusão de grandeza – mas se vê bem claramente que toda existência é uma única energia, e que essa energia é o nosso próprio ser. Claro que existe morte, tanto como vida, porque energia é pulsação, e assim como as ondas devem ter cristas e calhas, a experiência de existir deve seguir e parar. Basicamente, portanto, não há nada a que lamentar, porque você é a energia eterna do universo brincando de esconde-esconde (ligado-e-desligado) com ele mesmo. Na raiz, você é a “Cabeça- Deus”, pra Deus é tudo o que é. Citando Isaias um pouco fora de nosso contexto: “Eu sou o Senhor, e não há nada mais. Eu formo a luz e crio a escuridão: Eu faço paz, e crio o mal. Eu, o Senhor, faço todas essas coisas.” Este é o senso fundamental do princípio do hinduísmo,Tat tram asi – “aquilo” (n.t.: “THAT” em inglês, “aquele sutil Ser que todo esse universo é composto”). Um caso clássico dessa experiência, do Ocidente, são as memórias de Tennyson:

Um tipo de caminhar em transe que eu tenho tido freqüentemente, desde quando era garoto, quando estive sozinho.  Isso geralmente ocorre quando eu geralmente repito meu nome duas ou três vezes a mim mesmo em silêncio, até tudo de uma só vez, como se isso estivesse fora da intensidade  da consciência ou individualidade, a individualidade ela mesma parece se dissolver e apagar num ser sem limites, e esse não é um estado confuso, mas ao mais clareza da clareza, a certeza da certeza, a estranheza da estranheza, profundamente além de palavras, onde a morte foi risivelmente impossível, a perda de personalidade (se fosse isso) que parece não a extinção, mas a única e verdadeira vida .

Obviamente essas características da experiência psicodélica, como eu conheci, são aspectos de um único estado de consciência – para a qual estive descrevendo sob diferentes ângulos. As descrições se esforçam em transmitir a realidade da experiência, mas ao fazer isso também sugere algumas das inconsistências entre tais experiências e os valores correntes da sociedade.

Oposição às Drogas Psicodélicas

As resistências em liberar o uso de drogas psicodélicas originam-se em valores ambos religiosos e laico-seculares.  A dificuldade em descrever experiências psicodélicas em termos das religiões tradicionais sugere um grau de oposição. O ocidental deve emprestar tais palavras como samadhi ou moksha dos hindus, ou satori ou kensho dos japoneses, para descrever a experiência de unidade com o universo. Nós não temos palavra apropriada, pois nossas teologias judaico-cristãs não aceitam a idéia que o ser íntimo do homem pode ser idêntico à “Cabeça-Deus”, mesmo apesar dos cristãos insistirem que isso foi verdadeiro e único na instância de Jesus Cristo.  Judeus e cristãos pensam em Deus em termos políticos e monárquicos, como o governante supremo do universo, o mais alto chefe. Obviamente, isso é tanto socialmente inaceitável e logicamente absurdo para um indivíduo particular clamar que ele, em pessoa, é o onipotente e onisciente que manda no mundo – pra estar de acordo com o reconhecimento adequado e honrável.

Um conceito Imperial e Real como tal da realidade última, de qualquer forma, não é nem necessário ou universal.  Os hindus e os chineses não têm dificuldade em conceber uma identidade do ser e de “Cabeça-Deus”. Para a maioria dos asiáticos,  exceto os muçulmanos, o Cabeça-Deus” move e manifesta o mundo de forma muito parecida como a centopéia manipula centenas de pernas espontaneamente, sem deliberação ou cálculo. Em outras palavras, eles concebem o universo em analogia com um organismo como distinto de um mecanismo. Eles não vêem isso como um artefato de construção sob a direção consciente de algum técnico supremo, engenheiro, arquiteto.

Se, de qualquer forma, no contexto da tradição cristã ou judaica, um indivíduo declara ele mesmo ser um com Deus, ele deve ser entendido como blasfemo (subversivo) ou insano. Tal experiência mística é uma ameaça clara aos conceitos religiosos tradicionais. A tradição judaico-cristã tem uma idéia monárquica de Deus, e monarcas, que governam pela força, não temem nada além da insubordinação. Por isso a Igreja sempre viu com suspeita o misticismo, porque eles se mostram como insubordinados e clamam igualdade ou pior, identidade com Deus. Por essa razão, John Scotus Erigena e Meister Eckhart foram condenados como hereges. Isso foi também porque os Quakers (n.t.: linha de evangélicos protestantes) encontraram oposição à sua doutrina da Luz Interior, e por sua recusa em remover chapéus em igrejas e cortes. Algum misticismo ocasional deve ser aceitável, tanto quanto eles se aterem em sua língua, como Santa Teresa d’Ávila e São João da Cruz, que mantiveram, devemos dizer, uma distância metafísica de respeito entre eles próprios e seu Rei dos Céus. Nada, de qualquer forma, poderia ser mais alarmante à hierarquia eclesiástica do que a eclosão popular do misticismo, que deve ser o suficiente para estabelecer a democracia no reino dos céus e, tal alarme seria compartilhado igualmente por católicos, judeus e protestantes fundamentalistas.

A imagem monárquica de Deus, com seu implícito desgosto por insubordinação religiosa, tem o impacto mais penetrante do que muitos cristãos podem admitir. O trono de reis tem paredes logo atrás deles, e todos que se apresentam à corte deve se prostrar eles mesmos ou ajoelhar-se, porque essa é uma posição inábil de cometer qualquer ataque. Talvez nunca tenha ocorrido aos cristãos que quando eles desenham a uma igreja no modelo de uma corte real (basílica) e prescrevem um ritual de igreja, eles estão implicando que Deus, como na monarquia humana, está com medo.  Isso também está implícito na adulação nas orações:

Ó Deus, nosso pai do céu, alto e poderoso, Rei dos reis, Senhor dos senhores, o único rei dos príncipes, aquele que faz seu trono guarda todos moradores na terra: de coração nós O suplicamos com seu favor a guardar…

O homem ocidental que clama consciência de unidade com Deus com o universo dessa forma confronta com a concepção religiosa de sua  sua sociedade. Na maior parte das culturas asiáticas, de qualquer forma, tal homem será felicitado em penetrar no verdadeiro significado da vida. Ele chegou, por oportunidade ou por alguma disciplina como yoga ou meditação zen, num estado de consciência que ele experiencia diretamente e vividamente o que nossos próprios cientistas sabem ser verdadeiro em teoria. O ecologista, o biólogo e o físico sabem (sentem raramente) que todo organismo constitui um único campo de comportamento, ou processo, com seu ambiente. Não há como separar o que o ambiente está fazendo, por essa razão ecologistas falam não em organismos em ambientes mas organismos-ambientes. Assim as palavras “eu” e “ser” deveriam propriamente significar que todo o universo está indo junto nesse “aqui-e-agora”chamado João-Ninguém.

O conceito monárquico de Deus faz a identidade de Ser e Deus, ou Ser e Universo, inconcebível em termos religiosos ocidentais. A diferença entre conceitos orientais e ocidentais de homem e seu universo, de qualquer forma extendem além do conceito religioso estrito. O cientista ocidental pode perceber racionalmente a idéia de organismo-ambiente, mas ele ordinariamente não sente isso como sendo verdade. Por condicionamento cultural e social, ele foi hipnotizado em experienciar ele próprio como um ego – como um centro isolado de consciência e vontade dentro de um saco de pele, confrontando um mundo alheio e exterior. Nós dizemos, “Eu vim a esse mundo”. Mas não fizemos nada disso. Nós saímos dele, assim como uma fruta sai das árvores. Nossa galáxia, nosso cosmos, “povoa” da mesma forma que as macieiras “geram maçãs”.

O cientista ocidental pode perceber racionalmente a idéia de organismo-ambiente, mas ele ordinariamente não sente isso como sendo verdade.

Tal visão do universo confronta com a idéia monárquica de Deus, como conceito de ego separado, e mesmo com a mentalidade laico-secular, ateísta/agnóstica, que é derivada do senso comum da mitologia da ciência do século XIX, de acordo com essa visão, o universo é um mecanismo cego e o homem um tipo acidental de microorganismo que infesta um diminuto globo de pedra que gira em torno de  uma estrela nada importante na franja que sai de uma galáxia menor. Essa teoria  “abalizadora” do homem é extremamente comum entre tais quasi cientistas como sociólogos, psicólogos e psiquiatras, que mais pensam o mundo em termos da mecânica newtoniana, e nunca realmente foram capturados por idéias de Einstein e Bohr, Oppenheimer e Schrodinger.  Assim para o  psiquiatra de tipo de instituição padrão, qualquer paciente que dá qualquer sugestão de experiência mística ou religiosa é automaticamente classificado como demente. Do ponto de vista da religião mecanicista, ele é herege e lhe é dado terapia de eletrochoque como a forma mais atual de parafuso e porca. E, incidentalmente, é apenas esse tipo de quasi cientista que, como consultor do governo e agências de aplicação de leis, ditam as políticas oficiais do uso de substâncias psicodélicas.

Inabilidade em aceitar a experiência mística é mais do que  uma desvantagem intelectual. Falta de consciência da unidade básica de organismo e ambiente é uma séria e perigosa alucinação. Para uma civilização equipada com imenso poder tecnológico, o senso de alienação entre homem e natureza leva ao uso da tecnologia num espírito hostil — à “conquista” da natureza ao invés da cooperação inteligente com a natureza. O resultado é que nós estamos erodindo e destruindo nosso ambiente, espalhando “Los Angelização” ao invés de civilização. Essa é a maior ameaça o que o ocidente carrega, cultura tecnológica, e não adianta nada toda quantidade da razoável pregação do fim do mundo. Nós simplesmente não respondemos às técnicas moralizantes e proféticas que judeus e cristãos sempre invocaram. Mas as pessoas tem um senso obscuro do que é bom pra eles chamarem isso de “auto-cura inconsciente”, “instinto de sobrevivência”, “crescimento potencial positivo” o que queira. Entre os jovens educados há assim um esporão  sem precedentes de interesse na transformação da consciência humana. Por todo mundo ocidental editoras estão vendendo milhões de livros sobre yoga, vedanta, zen budismo e a química mística das drogas psicodélicas, e eu acredito que toda a subcultura “hip”, todavia descambou e algumas dessas manifestações, são esforços sérios e responsáveis de jovens pra corrigir o auto-destrutivo curso da civilização industrial.

O conteúdo da experiência mística é assim inconsistente ambos para as concepções laicas e de tradições religiosas do pensamento ocidental.  Além disso, experiências místicas costumam resultar em atitudes que ameaçam a autoridade, não só de igrejas estabelecidas, mas também da sociedade laica. Sem medo da morte e deficiente de ambição mundana, aqueles que se submeteram às experiências místicas são inacessíveis à ameaças e promessas. Mais ainda, seu senso da relatividade de bem e mal desperta a suspeita que lhes falta, tanto consciência quanto respeito à lei. Uso de psicodélicos nos Estados Unidos por uma burguesia letrada significa que um segmento importante da população é indiferente às sanções e recompensas da sociedade.

Em teoria, a existência dentro da nossa sociedade laica de um grupo que não aceita os valores convencionais é consistente com nossa visão política. Mas um dos grandes problemas dos Estados Unidos, legalmente e politicamente, é que nós nunca tivemos realmente a coragem de nossas convicções. A República é fundada no maravilhoso e são princípio que a comunidade humana pode existir e prosperar somente com base de confiança mútua. Metafisicamente, a Revolução Americana foi uma rejeição ao dogma do pecado original, que é a noção que, por não poder confiar em você ou outras pessoas, deve haver uma autoridade superior para nos manter em ordem. O dogma foi rejeitado porque, se isso for verdade que não podemos confiar em nós mesmos e nos outros, também não podemos confiar numa autoridade superior que nós mesmos concebemos e obedecemos, e que a própria idéia de incapacidade de confiar é falível!

Cidadãos dos Estados Unidos acreditam, ou deveriam supostamente acreditar, que a república é a melhor forma de governo. Uma confusão ainda maior  surge ao tentar ser republicano na política e monarca na religião. Como pode uma república ser a melhor forma de governo se o universo, o céu, o inferno, são uma monarquia? Ademais, apesar da teoria de governo por consenso, baseado na confiança mútua, as pessoas nos Estados Unidos mantém, do pano de fundo autoritários de suas religiões e origens nacionais, uma fé completamente ingênua na lei como algum tipo de poder paternalista sobrenatural. “Deveria ter uma lei contra isso!”

“Deveria ter uma lei contra isso!”

Nossos oficiais  que aplicam leis estão assim confusos,  em dificuldades, aturdidos, pra não dizer corruptos – por serem requisitados à cumprir leis sagradas, comumente de origem eclesiástica, que um vasto número de pessoas não tiveram intenção de obedecer e que, de qualquer forma, são imensamente difíceis ou simplesmente impossíveis de aplicar – por exemplo, barrar algo tão indetectável como LSD-25 do comércio internacional e interestadual.

Por fim, há duas objeções específicas ao uso de drogas psicodélicas. Primeiro, o uso dessas drogas pode ser perigoso. De qualquer maneira, qualquer exploração que vale a pena é uma escalada perigosa à uma montanha, testando naves, mísseis no espaço, mergulho sem equipamento ou capturando espécies botânicas nas selvas. Mas se você valoriza o conhecimento e o fato de uma exploração excitante mais do que mera duração de uma vida sem eventos, você está disposto à correr os riscos. Não é realmente saudável para monges praticar o jejum, e foi dificilmente higiênico pra Jesus ao ser crucificado, mas esses são os riscos que são levados no curso de aventuras espirituais. Hoje a juventude aventureira está levando os riscos em explorar a psique, testando seu fervor numa tarefa assim como em tempos passados testaram – mais violentamente – em caçar, duelar, competir em carros velozes, jogando futebol. O que eles precisam não é proibições e políciais mas, o mais inteligente e encorajador conselho que possa ser encontrado.

Em segundo lugar, a droga pode ser criticada como uma fuga da realidade. De qualquer forma, essa crítica assume injustamente que experiências místicas por si são escapistas e irreais. LSD, em particular,  é em hipótese alguma uma leve e confortável fuga da realidade. Ele pode ser facilmente uma experiência que você terá de testar sua alma contra todos demônios no inferno. Para mim, tem sido em algumas vezes uma experiência que eu estava completamente perdido em corredores da mente e ainda relatando como é estar perdido, na exata ordem de lógica e linguagem, simultaneamente muito louco e muito são.  Mas além desses episódios de estar perdido e louco, há a eperiência do mundo como um sistema de total harmonia e glória, e a disciplina de relatar isso à ordem de lógica e linguagem deve de alguma forma explicar como o que William Blake chamou de “energia que é puro deleite” pode consistir na miséria e sofrimento do dia-a-dia.

A indubitável intenção mística e religiosa   da maior parte de usuários de psicodélicos, mesmo se algumas dessas substâncias fossem provadas como nocivas à saúde física, requerem que seu uso livre  responsável seja isento de restrições legais de qualquer república que mantém uma constituição separada da igreja e Estado.  À medida que a experiência mística conforma um envolvimento com tradições religiosas genuínas, e à medida que psicodélicos induzem à essa experiência, usuários são entitulados à alguma proteção constitucional. Também, à medida que pesquisas na psicologia da religião pode utilizar tais drogas, estudantes da mente humana devem ser livre para usá-los. Sob a lei presente, eu, como um estudante experiente de psicologia da religião, não posso mais buscar pesquisar na área. Essa é uma bárbara restrição da liberade espiritual e intelectual, sugerindo que o sistema legal dos Estados Unidos está, acima de tudo, em aliança tácil com a teoria monárquica do universo, e irá ademais, proibir e perseguir idéias religiosas e práticas baseadas numa visão orgânica e unitária do universo.

O que eles precisam não são proibições e policiais mas, o mais inteligente e encorajador conselho que possa ser encontrado.

– Alan Watts

Nota/atualização (10/jun/2010):

saiu em 16 de maio no O Globo uma matéria sobre o cineasta João Amorim e seu filme que estréia no Brasil no 2º semestre desse ano.

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Dirigido por João Amorim, 2012: Time for Change é um documentário sobre, como o título sugere, 2012. Mas ao contrário da forma abordada pelo senso comum mainstream como no filme 2012 da Sony Pictures que mostra a questão de forma sensacionalista, “apocalíptica” de fim do mundo, armagedon, 2012 Time for Change aborda questões mais profundas sobre o tema. Nesse bojo o Reality Sandwich está lançando uma série de vídeos “Time for Change Presents” com personalidades discutindo a evolução da consciência e soluções práticas. Nesse vídeo, o psicólogo e autor Stanislav Grof discute com Daniel Pinchbeck como psicodélicos ajudaram a criar uma “cartografia expandida da psique” com a nova ênfase no que ele chama de “perinatal” e consciência transpessoal.

Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.

visite o original no reality sandwich aqui.

E sobre 2012 Time for Change:

Desde que me entendo por gente o budismo me é familiar. Mas não o Zen, apesar da intrínseca familiaridade.

Alan Watts é o cara que trouxe pro ocidente a tradução do Zen, e assim acabou sendo um dos  precursores embrionários de idéias e visões de mundo (ou mesmo a ausência de uma “visão de mundo”) que iriam desembocar no movimento beatnik, posteriormente os hippies, apesar de ser uma salada cultural (tipicamente norte americana), continha a ambiguidade de trazer junto outras formas de entender o mundo, o planeta, as coisas e seres vivos e isso ecooa até os dias de hoje e pra além deles.

Eis então uma breve introdução a um “pensamento” que tem como uma das características principais a de não se formar um dogma, privilegiando a experiência direta, sem mediação do entediante bom ou ruim, bem ou mal, ou sequer palavras. Um “pensamento” vivo que, ao “modo” do Tao, ao circundá-lo a fim de prendê-lo e classificá-lo ao mesmo tempo você o perde.

* “Há muito tempo um homem mantinha preso um ganso numa garrafa. Ele cresceu, cresceu, até que não podia mais sair da garrafa; mas o homem não queria quebrar a garrafa nem ferir o ganso; como o ganso poderia ser retirado?”

Muitos estudantes ocidentais estão sob a impressão de que a “meditação” zen (isto é, o trabalho com o Koan) é uma forma de auto-hipnose, sendo o seu objetivo induzir a um estado de transe. Agindo sob essa impressão, Arthur Waley descreveu o Zen como “quietismo”, Reuschauer, como “uma auto-intoxicação mística”, e Friffiths, como “o assassinato da mente e a maldição dos devaneios inúteis”. O exato oposto é a verdade; trabalhe com um Koan, para ter êxito, sem precisar ter nada de passividade do quietismo e, quanto ao “assassinato da mente e a maldição dos devaneios inúteis”, uns poucos dias de permanência numa comunidade zen dariam fim aos inúteis devaneios, enquanto a acusação de que o Zen é “o assassinato da mente” não é mais verdadeira do que a acusação de que ele perturba toda a moralidade. Pois, assim como a moralidade, a mente (intelecto) é um bom servo e mau mestre e, enquanto a regra for a de que os homens se tornem escravos por seus modos intelectuais de pensamento, o Zen visa controlar e ultrapassar o intelecto; mas, como no caso do ganso e da garrafa, o intelecto, como a garrafa, não é destruído. O Koan não é um meio para induzir o transe, como se alguma espécie de transe fosse a mais alta conquista possível para seres humanos; é apenas um meio de ultrapassar uma barreira ou, como os mestres zen o descrevem, é um tijolo com o qual batemos na porta; quando ela se abre, o tijolo pode ser jogado fora, e essa porta é aberta no momento do Satori, o discípulo não entra em transe, mas passa a ter uma nova atitude de vida que reflete uma notável beleza. Esses críticos ocidentais, mal-informados devem estar confundindo o Zen com um cisma certamente tão antigo como a época de Hui-Neng, o Sexto Patriarca, que dizia existirem discípulos que afirmavam que a única coisa a ser feita era sentar-se imóvel com uma mente perfeitamente vazia; mas em mais de uma ocasião ele enfaticamente afirmou que essas pessoas não eram melhores do que os objetos inanimados de madeira ou de pedra.

Muito longe de ser um exercício de passividade, o Koan envolve a mais tremenda luta mental e espiritual, exigindo o que os mestres chamam de “um grande espírito de busca”. Assim, o mestre Ku-mei Yu escreve: “Uma vez elevado diante da mente, não deixes nunca o Koan escapar; tenta, com toda persistência que possuíres, ver a significação que o Koan te dá e nunca vaciles em tua determinação de ir até o fundo do assunto… Não faças do Koan um quebra-cabeças; não busques o seu significado na literatura que aprendeste; vai firme nele sem qualquer espécie de ajuda intermediária.” Uma vez iniciado o trabalho com o Koan, toda uma massa de idéias surgirá na mente, significados simbólicos, associações, possíveis soluções e toda espécie de pensamentos peregrinos. Eles devem ser firmemente postos de lado e, quanto mais insistentes se tornam, mais intensamente temos de nos concentrar no próprio Koan, lutando para penetrar no dilema que ele representa. De tempos em tempos, o mestre entrevistará o discípulo para verificar como está o seu progresso e, inúmeras vezes, quando o discípulo oferecer como solução um pensamento meramente intelectual e lógico, o mestre o desaprovará dizendo que deverá tentar de novo. Em geral, esse processo continuará por vários anos, até que o discípulo eventualmente alcance um completo impasse; compreende então, que qualquer solução intelectual é fútil; atinge um estado onde o dilema da vida contido no Koan torna-se uma esmagadora realidade e um problema tão urgente a ponto de poder ser comparado a uma bola de ferro presa na nossa garganta. Do ponto de vista filosófico, podemos compreender perfeitamente que o grande problema da vida é arrancar o ganso da garrafa sem feri-lo, passando além da afirmação e da negação, encontrando a libertação das alternativas impossíveis de dominar o mundo tentando possuir tudo ou deixando que sejamos completamente dominados pelas circunstâncias. Mas isso não significa que compreendamos o problema como sendo a mais urgente de todas as necessidades.  A escolha está entre nos afirmarmos contra o mundo, tentando fazer com que todas as coisas se submetam a nós, e por outro lado, entregarmo-nos completamente ao “destino”, negando assim a nossa capacidade pessoal de alcançar qualquer coisa. A maioria de nós evita essa última forma e tenta francamente a primeira, apegando-se rapidamente às posses físicas e mentais na esperança de incorporá-las à sua bagagem. E enquanto essa primeira alternativa possivelmente nunca seja alcançada, pois quanto mais nos agarramos aos objetos do nosso desejo, mais rapidamente eles fugirão, o pensamento da segunda alternativa nos enche de horror diante da morte eterna. Se isso nos ocorre como um problema, isso só acontece de modo remoto e filosófico, parecendo tão distante como o dia do juízo final; e, como há muito tempo entre hoje e esse futuro remoto, podemos esperar por uma possível solução que mude essa situação.

Mas o trabalho com um Koan faz do problema uma realidade imediata e, quando o impasse é alcançado, o discípulo se assemelha a um rato que é perseguido num túnel sem saída, ou a um homem que subiu até o topo de um poste ou chegou à beira de um precipício tentando escapar de um incêndio. Somente quando esse estágio sem esperança é alcançado é que os mestres estimulam os discípulos a redobrarem seus esforços. Um caminho tem de ser encontrado no topo de um poste, e um rato tem de reunir todas suas forças para romper as paredes do túnel. Num trabalho The mirror for Zen Students (O espelho para estudantes do Zen), compilado pelo mestre T’ui-yin, está escrito: “Quando a investigação continua firme e sem interrupções, verás que não existe nenhuma pista intelectual no Koan, pois ele é completamente desprovido de significado, no sentido normal dessa palavra, é inteiramente plano, desprovido de gosto, não tem nada de apetitoso, e que estás começando a te sentir impaciente e pouco a vontade.” Depois de certo tempo, esse sentimento se intensifica, e o Koan parece ser algo opressivo e impenetrável, a ponto de o discípulo comparar-se a um mosquito que tenta picar um pedaço de ferro; mas, “no mesmo momento em que o ferro rejeita definitivamente o seu fraco ferrão, de imediato e de uma vez por todas ele se esquece de si mesmo, consegue penetrar, e o trabalho é feito”. Não há como explicar esse momento, a não ser dizendo que é o momento em que o s grilhões da ilusão se rompem sob a intensa pressão da vontade do discípulo. O exercício do Koan visa concentrar a mente e estimular a vontade no mais elevado grau; nesses últimos estágios o esforço será provocado simplesmente pelo aumento da dificuldade da tarefa. Assim, quando o dilema final está diante discípulo, ele o vencerá com uma tremenda força de vontade e, quando essa tremenda força de vontade faz frente à teimosa resistência do Koan, algo acontece; e, assim como no momento do “impacto”, quando o mosquito pousa no pedaço de ferro, vem um relâmpago de Satori, e o discípulo compreende que não existe problema algum! “Nada lhe resta fazer nesse momento”, escreve um mestre, “a não ser explodir numa gargalhada”.

* Trecho de “O Espírito Zen”. Tradução de Murillo  Nunes de Azevedo.

Estou vivendo na Villa Borghese. Não há resquício de sujeira em parte alguma, nem uma cadeira fora. do lugar. Estamos completamente sozinhos e estamos mortos. Ontem à noite, Boris descobriu que estava com chatos. Tive de raspar-lhe as axilas e mesmo depois disso a coceira não passou. Como pode alguém adquirir chatos num lugar bonito como esse? Mas isso não tem importância. Talvez nunca nos tivéssemos conhecido tão intimamente, Boris e eu, se não fossem os chatos. Bóris acaba de oferecer-me uma síntese de suas idéias. É um profeta metereológico. O tempo continuará ruim, diz ele. Haverá mais calamidades, mais morte,  mais desespero. Não há a menor indicação de mudança em parte alguma. O câncer do tempo está-nos comendo. Nossos heróis mataram-se ou estão se matando. O herói, então, não é o Tempo, mas a Ausência de Tempo. Precisamos acertar o passo, em ritmo acelerado, em direção à prisão da morte. O tempo não vai mudar.

2003.IBRASA.Tradução: Aydano Arruda.